O Suicídio Do Escritor

Desculpe, mas a felicidade não mora aqui.

Cheguei bem cedo e durante aquela tarde inteira não apareceu ninguém no cemitério para visitar meu amigo. A três noites ele simplesmente se suicidou, era escritor e se afogou na banheira. Não quero julgá-lo e nem derramar um monte de besteiras prontas que você encontra em qualquer site da internet, não, eu simplesmente quero contar seu segredo: meu amigo estava muito triste, pois era um escritor num país que não gosta de ler. Sua vida era escrever, mas os leitores preferiam estrangeiros a nacionais, por isso, sua literatura foi caindo cada vez mais na obscuridade. Ele vivia um trabalho que não gostava, cada dia era uma luta para viver uma vida que não queria. Sua paixão, toda madrugada dada, era sentar na frente do computador para escrever. Sua escrita favorita era simplesmente a escrita e para alimentá-la tentou de tudo, até escrever contos eróticos, e mesmo assim as pessoas não queriam ler, sempre buscando Harry Potter exóticos sem perceber que na nossa terra também tem palmeiras onde cantam os sabiás.

Cada vez menos lido, menos vistos, meu amigo ficou triste e se escondeu, passou a escrever romances secretos apenas para si, porém até seus romances secretos o feriam: cada letra digitada, uma a uma ia sumindo, até a página voltar a ser totalmente branca outra vez. Assustado com isso, a grande folha branca que o proibia de viver sua verdadeira vida, simplesmente não aguentou e se afogou numa banheira cheia das palavras de outros escritores, se não poderia escrever seus próprios romances, pelo menos, que fosse sepultado pelas palavras que tanto amava.

Por isso deixo como testamento final estas palavras: que seu corpo, querido amigo, se transforme em tinta e tinja as letras que compõem este grande livro, que na sua morte viva o prazer que jamais teve num país sem leitura: de vê a si mesmo transformando num livro. Amém!

Avaré, 18 de setembro de 2018